quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Ética, mídia e nossas ações

Tomando como base o fato de que, para Sócrates, a ética situa o indivíduo em um âmbito capaz de compreender o que faz, com consciência do significado de suas atitudes, intenções, consequências e finalidade de suas ações, podemos analisar que, para ele, a imagem de uma “ética universal” seria o conjunto de práticas responsáveis e realizadas por seres conscientes.

Ora, seres conscientes em que sentido?

Segundo Octávio Ianni, vivemos debaixo das “ordens” de uma “entidade” que regula, controla, define e cria aquilo que seria uma consciência coletiva. O Príncipe Eletrônico ao qual ele se refere não possui fronteiras, é atemporal e altamente flexível a qualquer cultura ou diferenças locais. Portanto, toda a consciência de si da qual fala Sócrates estaria, seguindo essa linha de raciocínio, nas mãos de alguns dos pilares de sustentação do modelo socioeconômico atual: a mídia, controlada pela classe dominante.

Com base nesses pressupostos, quero indagar sobre uma instituição formada pelos meios de comunicação de massa, como a TV, jornais e revistas que “forma e molda” opiniões coletivas e, de alguma maneira, influencia nas decisões individuais éticas e morais de cada sociedade.

No mês de outubro, o MST (Movimento Sem-Terra), protagonizou um fato que, como sempre, gerou polêmica. A ocupação de terras de uma empresa foi rechaçada pela mídia em virtude de existir no cenário um prejuizo gigante e a paralisação da produção. Porém, saliento que a imprensa não revelou em nenhum momento que as terras ocupadas pelo MST também não pertenciam legalmente à Cutrale, não avaliou as questões socioculturais e os processos pelos quais o movimento realiza esse tipo de atitude (dando ao leitor conteúdo substancial para analises mais profundas) e não expôs, em nenhum momento, as atitudes individuais dos envolvidos e do público em geral em relação aos fatos.

Segundo dados da União as terras em que as fábricas da Cutrale funcionam são terras ilegais e pertencentes à União. A própria empresa teve, neste caso, uma atitude parecida com a do MST, porém, se levarmos em consideração o fato de que a “invasão” da Cutrale trouxe em todos estes anos millhões e milhões de reais em lucros e crescimento para a indústria teríamos a razão em dizer que sua atitude é ainda pior. No entanto, não quero determinar o que seria ético ou antietico, mas trazer à tona fatos que dão uma visão maior do caso e propõem a reflexão daquilo que Sócrates afirma como sendo ético , pois só com consciência podemos deliberar.

Além disso, em algum momento (não apenas neste episódio com a Cutrale) a grande mídia coloca em discussão os motivos do MST? Em algum momento avalia ou, simplesmente, apresenta dados históricos sobre sua luta, seus ideais ou objetivos? É importante atentar-se a estas coisas, pois pensando na problemática levantada por Kant, como saber se uma atitude é ética, a partir do momento que faço parte de um contexto coletivo de sociedade? A base de pensamento do MST (não tenho propriedade e nem é minha intenção falar sobre isso) é, segundo o site do movimento, buscar a igualdade na distribuição de terras no País. A atitude é digna e boa, e como diria Sócrates “quem conhece o que é o bem não pode deixar de agir virtuosamente, isto é, de acordo com a ética”.

Qual a nossa atitude em relação a isso? Nosso país passa por grandes modificações estruturais. Crescimento econômico, visibilidade no exterior, entre outras coisas, mas, ao mesmo tempo, problemas que nos acompanham a muito tempo insistem em fazer parte de nosso cotidiano e não paramos nenhum momento para discutí-los, para entendê-los ou, se quer, questioná-los. Apenas aceitamos a nossa “alimentação intelectual” diária oferecida pela nossa mídia que, como já sabemos, possui interesses comerciais assim como qualquer empresa, e age de todas as maneiras possíveis em prol do mercado, da elite e da perpetuação de um sistema opressor e segregador.

Fiz uma avaliação com algumas pessoas sobre o que elas pensam sobre o MST e o resultado é muito interessante, pois praticamente todos não sabem sequer que o movimento possui uma estrutura, objetivos e ideais, porém todos declaram veementemente que são contra e os caracteriza como ladrões. Quero deixar claro que meu objetivo não é defendê-los, nem apoiar suas táticas de ação, o fato está na discrepância na cobertura da imprensa e o apelo desta em formar opiniões que influenciam em nossa concepção ética e moral.

Fica aqui minha revolta e minha singela sugestão: Enquanto não começarmos a questionar e criticar tudo aquilo que é colocado de maneira geral, padronizada e claramente carregada de opinião (neste caso, de um seleto grupo de pessoas ricas) não teremos aquela consciência própria da qual falou Sócrates, não poderemos indagar sobre as ações universais como Kant e estaremos fadados ao que Marx escreveu sobre a ideologia da classe dominante, que obscurece o verdadeiro sentido das coisas e determina a sociedade civil ao invés de ser por ela determinada. Ou seja, nossa consciência estará completamente alienada e reproduzindo os valores estabelecidos pela classe dominante.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Crise de Identidade



A sociedade moderna vive uma crise de identidade que está profundamente relacionada à maneira como as pessoas se vêem ou como querem ser vistas. Firmada em padrões sociais baseados na imagem e no consumo, pessoas do mundo inteiro procuram se adaptar aos estereótipos criados pela mídia e grandes empresas. Fatos que são resultados do uso indiscriminado da imagem, da globalização e principalmente da exploração das ciências relacionadas ao comportamento do consumidor.

No decorrer da história, vemos a necessidade do homem de perpetuar o instante. Seja nas pinturas rupestres ou na idade média, a reputação precisava ser passada adiante a fim de exaltar aquele que, de certa forma, conquistou algo. Com o surgimento e o desenvolvimento da fotografia, todos puderam ter acesso a isso: Serem eternos. Mas atualmente a sociedade passa por um movimento em que o uso indiscriminado da imagem a leva a saturação. Em todos os lugares, somos defrontados com uma foto, um outdoor ou uma propaganda. Ditando regras, criando padrões e sustentando ideais de beleza, comportamento e riqueza. Na internet, blogs, fotoblogs, televisão, novelas, comerciais, além dos filmes, spots e anúncios de revistas. Nunca foi tão fácil transformar a representação significa de um ser em ideal de vida.

Quem é você? Em um mundo globalizado, onde as fronteiras do consumo não existem, o ser, está ligado ao ter. Não há dúvidas de que a globalização trouxe à sociedade muitos benefícios. Tivemos acesso a coisas jamais pensadas antes. Mas a maneira como as empresas rompem as fronteiras e conquistam territórios, influencia o comportamento e corrompe as culturas locais de maneira catastrófica. 99% da população mundial conhece a Coca-Cola , a empresa norte-americana de maior valor e ícone máximo do conhecido “American Way of Life”. A China, país essencialmente naturalista, com a abertura das fronteiras, recebeu muitos restaurantes fast-food e vive hoje um problema alarmante, o sedentarismo, pesquisas mostram que ela já possui 200 milhões de pessoas acima do peso, 97% a mais do que há 12 anos . Fator ligado, também, ao que os especialistas chamam de trinômio de vida: TV, computador e carro , resultado do desenvolvimento e do aumento da renda das famílias.

Além disso, vemos, desde o final do século XX, o crescimento das ciências relacionadas ao consumidor. Hoje, os investimentos são cada vez mais altos e buscam conhecer e determinar formas específicas para cada ato de compra. As pesquisas comportamentais visam o desenvolvimento de marcas associadas a estilos de vida e benefícios socioeconômicos. Com a ajuda da mídia de massa, criando ídolos e celebridades, as empresas aumentam as receitas explorando, principalmente, o emocional das pessoas. Vimos essa máxima em propagandas de cigarros, um produto tóxico associado a esporte, lazer e liberdade. Marcas luxuosas como Louis Vuitton, Gucci e Chanel, estão entre as mais valiosas do mundo, firmadas em princípios de status, exclusividade e soberania.

Por tudo o que vimos, podemos perceber que as pessoas tomam para si comportamentos superficiais e que não correspondem com aquilo que são. Sabemos que artigos que carregam marcas como as já citadas, custam caro, mas não é difícil ver em lojas e feiras populares imitações dessas peças, evidenciando essa busca da população por suprir necessidades mentirosas. O mundo vive uma crise de identidade sim. E enquanto não se respeitar a individualidade, continuaremos sendo coisas , manipulados por desejos e vontades, criados por grandes corporações de mídia e conglomerados empresariais.

   ALETP.COM, Coca-Cola | História da Marca. Link: http://aletp.com/2006/10/25/coca-cola/
   FOLHA DE S PAULO, “Obesidade afeta 1 em cada 8 pessoas em grandes cidades da China”. 12/10/2004  - 10h33. Link: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u77377.shtml.
   BBC BRASIL, China alerta para alto risco de obesidade. 18 de junho, 2005 - 10h15
  ANDRADE, Carlos Drummond de. Eu, etiqueta - O corpo. Rio de Janeiro, Record, 1984 p. 85-87

domingo, 6 de setembro de 2009

Inesperadamente fim



Virginia não chorava, a dor de perder alguém já se fazia tão presente em sua vida que suas lágrimas não saíam mais. ― Por quê? Ela perguntava sem resposta. Eduardo morrera de repente, uma bala perdida em um tiroteio o sentenciou. Seus pensamentos voltavam e buscavam respostas, o remorso e a culpa a deixava com vontade de nunca ter visto aquele homem.

Era tarde de domingo e a noite logo chegaria, chovia. O rosto assustado de Eduardo evidenciou que não esperava Virgínia naquele horário. Ela segurava uma rosa. Sua postura o deixou tímido, eles haviam discutido no final de semana passado, ela chorara muito e saiu prometendo nunca mais voltar. Ele fitou-a por algum tempo, sua pele branca como a neve, seu olhar doce e tênue como um cisne, a rosa que segurava era tão vermelha que lhe parecia sangue novo, autêntica, seus olhos azuis tinham uma maneira peculiar de prender-lhe a atenção: ― Entre. Finalmente ele a chamou.

Quando começaram a sair, Virginia trabalhava em uma loja de conveniências, dentro de um parque de diversões. ― Deseja mais alguma coisa? Essa pergunta ficou na cabeça de Eduardo durante toda uma noite, nunca tinha ido tanto a um parque como naqueles dias, não podia ficar sem ver os olhos de Virginia. Eles se divertiram muito naquele parque. Namorados. Lá de cima, via-se tudo girando, uma gritaria misturada a um momento de diversão, figuras metálicas se movimentavam de lá para cá, tudo ficava pequeno visto dali, árvores cheias de folhas delimitavam o espaço do lugar. Algo mágico para Eduardo, até ver estruturas feias e inacabadas em torno do parque. Casinhas de um vilarejo pobre que cercava o grande complexo de lazer e entretenimento. De família rica e tradicional, ele não conhecia a pobreza.

A chuva começou a cair quando Eduardo perguntou:
― Quer beber alguma coisa?
― Você me perdoa? Disse Virgínia sem dar atenção à pergunta.

Eduardo a beijou. ― Claro que te perdôo, vamos tomar um banho, você deve estar com frio. Eduardo já havia dito que não se sentia bem com o ciúme acentuado de Virgínia, ela extrapolara no final de semana passado. E lá estava ela deitada no sofá, cabelos molhados, segurando a mão do homem que nunca mais voltaria a ver. ― Vamos ao parque? Você não irá trabalhar hoje, vamos nos divertir.

A noite era realmente especial, a chuva parou de cair e um ar úmido e tímido deixava os dois mais perto um do outro. O sentimento mais puro que Virginia já sentira, ela o amava muito, seus cabelos castanhos, olhos verdes, sua beleza descontraída. O ar se tornou pesado inesperadamente, Virgínia sentia que Eduardo não estava mais ali, o sangue estava em suas mãos, os olhos escureceram. O parque fora invadido por alguns moradores do vilarejo. No confronto, ele foi atingido. O único grande amor de Virginia se fora. Sozinha.